Civil cancela depoimento de delegado acusado de extorquir dinheiro de comércio em Petrópolis

POLÍCIA

A Corregedoria Interna da Polícia Civil decidiu cancelar o depoimento do delegado Mauricio Demetrio Afonso Alves, que iria depor no órgão nesta terça-feira. O delegado tinha sido convocado para dar sua versão sobre a denúncia de que ele e sua equipe cobrariam propina de comerciantes da Rua Teresa, em Petrópolis. Segundo o Ministério Público do Rio (MPRJ), Demetrio é o chefe de uma quadrilha que exigia dinheiro dos empresários e donos de confecçções da Região Serrana para liberar o comércio de produtos ilegais, em vez de reprimir crimes de falsificação de roupas. A prática é conhecida no jargão da polícia como “pirataria”. O fato teria ocorrido há cerca de dois anos, quando o delegado era titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM).

Há cerca de oito meses a investigação contra o delegado se arrasta na Corregedoria da instituição. De acordo com o Boletim Interno do dia 10 de fevereiro, a audiência, que seria realizada por videoconferência, foi cancelada sem qualquer registro sobre o que motivou a suspensão. O documento de circulação interna da corporação com a decisão foi assinado pela subsecretária de Gestão Administrativa, Valéria de Aragão Sádio Goulart Villela; e a diretora-geral do Departamento-Geral de Administração e Finanças, Raíssa Maria dos Santos Celles, ambas delegadas da Polícia Civil.

Em janeiro, o Boletim Interno (BI) da Polícia Civil trazia a informação sobre a convocação do delegado e os quatro integrantes de sua equipe. Como está preso na Penitenciária Pedrolino Werling de Oliveira, conhecida como Bangu 8, Demetrio seria ouvido por videoconferência, às 10h desta terça-feira. Os outros agentes intimados eram: Celso de Freitas Guimarães Júnior, Vinícius Cabral de Oliveira, Luiz Augusto Nascimento Aloise e José Alexandre Duarte, sendo este último um perito. Dependendo do resultado da Sindicância Administrativa Disciplinar, os agentes podem ser expulsos da corporação.

Os delegados da Corregedoria Interna, que iniciaram a investigação contra Demetrio e sua equipe na época — e que compartilharam cópias do procedimento ao MPRJ, que deu prosseguimento ao caso — também seriam ouvidos nesta terça-feira, mas também foram dispensados. São eles: os delegados Alexandre Ziehe, Robson da Costa Ferreira da Silva, Fábio da Costa Ferreira e Marcelo Machado Portugal Saisse. Eles apuraram as denúncias e, segundo o MPRJ, chegaram a sofrer represálias por parte da suposta quadrilha de Demetrio.

Também foi cancelado o depoimento da ex-titular da 105ª DP (Petrópolis), Juliana Menescal da Silva Ziehe, filha do ex-corregedor, Alexandre Ziehe. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ apurou que Demetrio e sua equipe estavam monitorando os passos de Juliana e de sua família, talvez com o propósito de atingir o pai dela. O nome dela chegou a ser pesquisado por policiais civis do grupo de Demetrio, de maneira ilegal nos bancos de informações da Polícia Civil. Nos aparelhos do delegado, os investigadores encontraram detalhes da rotina da delegada, fotos de sua casa em Petrópolis e informações sobre o marido dela. O caso afetou a saúde da delegada, que entrou de licença médica por estar com “sindrome de Burnout”, também conhecida como “Síndrome do Esgotamento Profissional”, doença mental que se manifesta quando a pessoa passa por sério estresse emocional relativo à profissão.

— Eu não tenho a menor ideia (porque foi suspensa). Eu só sei que não vai avançar — disse, ao GLOBO, um dos delegados que prestaria depoimento contra Demetrio, que pediu para não ser identificado.

As investigações do Gaeco, que denunciou os policiais civis, descobrira que Demetrio e sua equipe tentaram “plantar drogas” — jargão policial para colocar algo ilegal com uma pessoa para incriminá-la—, no carro de Alexandre Ziehe, para acusá-lo de traficante. O plano foi descoberto por meio de extração de dados em três dos 12 celulares apreendidos de posse de Demetrio, em seu apartamento num condomínio de luxo na Barra da Tijuca. A investigação nos aparelhos eletrônicos foi feita com autorização judicial do juiz auxiliar da 1ª Vara Criminal Especializada, Bruno Rulière.

O Gaeco também descobriu uma suposta farsa criada por Demetrio para incriminar o delegado Marcelo Portugal, que já o investigava desde 2020. O ex-titular da DRCPIM teria sido o mentor de uma operação falsa com a intenção de obstruir e enfraquecer investigações que já estavam em andamento contra ele e seu grupo. Demetrio, ao descobrir que Portugal era sócio de uma confecção na Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio, teria armado um falso flagrante contra o desafeto. Fingindo ser funcionária de uma ONG, de nome Ana, Demetrio fez uma encomenda de camisas na confecção de Portugal, com o objetivo de apreendê-las e incriminá-lo. O perito que atuava na delegacia de Demetrio, teria feito um falso laudo sobre os produtos da confecção. Machado foi solto logo após pagar fiança.

Demetrio também está respondendo a outro procedimento investigatório, desta vez, por obstrução nas investigações do Caso Marielle. As promotoras Simone Sibilio e Letícia Emile — enquanto estavam à frente da Força-Tarefa responsável por apurar quem mandou matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista dela, Anderson Gomes — descobriram que ele tirou cópias do inquérito policial que estava em segredo de Justiça. Segundo elas, o delegado teve acesso a informações sigilosas. O vazamento foi considerado “gravíssimo” por Simone Sibilio, à época.

Demetrio Afonso Alves está preso, desde 30 junho do ano passado, acusado pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro ou ocultação de bens e concussão — quando o agente público se utiliza do seu cargo para exigir, para si ou para outra pessoa, algum tipo de vantagem indevida. Ele estava à frente da DRCPIM desde 2018 e, dias antes de ser preso na Operação Carta do Corso do Gaeco, a Secretaria de Polícia Civil o transferiu para a Delegacia do Consumidor (Decon).

Por nota, a Polícia Civil informou que: “A Corregedoria-Geral da Polícia Civil informa que o adiamento atendeu a uma solicitação do advogado que representa três policiais. A alegação para o pedido de remarcação é o fato do mesmo ter audiência em Rio das Ostras, na mesma data. Os depoimentos acontecerão no dia 10 de março”.

Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo